Friday, September 22, 2006

Como matar a família e fazer novos amigos


Matei minha família
Pra ver o velório na TV
Resgatei-a do anonimato
Na bela reportagem
Fiquei feio na fotografia

Roí-me de remorsos
Diante da tumba de meus pais
Caí de joelhos e chorei de verdade
Para a tristeza de meus ex-irmãos

Agora sou o cômico do manicômio judiciário
Fui coroado o rei da palhaçada
Só eu não vejo graça na minha desgraça!

Comedor de Ranho

É batata


Estou a dois mil e seis por hora ou mais,
Admito minha arrogância total,
Nasci para amar mulheres fatais
E levar no bico a poesia tal qual.

Sem Deus ou anjos, apenas animais,
Cabem na minha retina. Dual
É a alma de pacientes terminais,
Corroendo toda a força vital.

Gozo dessas baboseiras geniais,
Mas nenhum pensamento é banal.
Entre vírgulas e pontos finais,
Ser feliz ainda é o grande canal!


Comedor de Ranho

Wednesday, September 20, 2006

EU



Eu, cabisbaixo, com a alma aflita,
Caminho entre os postes que exclamam pontos
De admiração pela minha figura.
Como uma porção de batata frita
Se destaca entre outros pratos prontos,
Minha imagem, na maior cara dura,
Parece desfilar em seu semblante,
Uma multidão medonha de monstros
E todos os pesadelos de Rembrandt
Querendo levar o povo à loucura!

Eu, jogado na rua da amargura,
Tento manter a consciência sã,
Mas em meu cérebro tais desencontros
Fazem tamanho estrago, que a birita,
Em jorros, se espalha sobre a pedra brita.
Um casal passa depressa e murmura
Algo que me recrimina, enquanto outros
Apenas se enojam e seguem avante.
Minha lucidez bêbada é um estorvo,
Mas pra casa não levo desaforo.

Eu, tomado por um orgulho besta,
Parto novamente para a aventura.
Começo a distribuir porrada a torto
E a direito, como um louco varrido,
Mas tal desvario acaba na valeta,
Onde sou jogado depois da luta.
Coberto de merda e mijo, por sorte,
Ainda vivo, levanto a cara suja,
E, ao me ver completamente fudido,
Morto, assino minha pena de morte!


Comedor de Ranho

Para Augusto dos Anjos, Cruz e Sousa, Leminski,
Kliébnikov, Drummond, Maiakovski, Pessoa, Baudelaire,
Poe, Dante, Mallarmé, Gregório, Marcos Prado

dos poetas que amei perdidamente
não esqueci de nenhum até agora
mesmo os que reneguei mundo a fora
ainda lembro os versos exatamente

sou um tipo emocional consciente
poeta existencial que se enamora
a todo instante e por tanta gente
que nem sei se estou aqui ou fui embora

esse mundo é grande mas não é dois
porque eu hei de deixar pra depois?
sobre meu corpo inomináveis seres

multiformes banqueteiam minhas sobras
enquanto, eu, contando os misereres,
ponho a salvo minha alma em suas obras!


Comedor de Ranho